Victor Requião

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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Contos interditos - Parte 7

Movimento

O teatro mágico pulsava na cabeça de Hesse como uma nota aguda e repetida, ele sentiu-se comover com tal pensamento tão natural, porém tão posto de lado por aqueles que sentem a arte nas mãos. Gostaria de poder compartilhar isso com todos que ele sentia que havia no interior a mesma chama que agora iluminava o lugar onde estava. Conduziria tal sensação à plenitude de que esperava, se a manifestasse completamente de forma solta e verdadeira com aqueles que ele realmente sabia que a cultivariam?

Tal reino poderia ser criado e o mais importante, cultivado como bela flor! Ele sabia que isso implicava em mudanças, realmente mudanças sinceras que transformariam o seu ser por completo. Deixariam solto de coisas que ele cultivara desde a infância e que tinham a sua importância depois que crescera e vivenciara um mundo de aparências não muito bem definidas como os daquela época. Necessitava de desapegos diários, desde os mais simples gestos aos mais puerís de todos os gostos que sentia, isso o atemorizava o íntimo. Certamente que compreendo tal sensação, ela não muitas vezes pode ser arrancada, mas transmutada numa coisa superior que deve sempre ser preservada a sua natureza não estática. Não era simples para ele sentir o que uma vez foi-lhe dito, a necessária ruptura de tudo o que a ele foi lhe entregue e que o mantia num estado de cativeiro morno e dócil. As noites de maravilha que ele sabe que não mais eram as mesmas, haviam ficado dentro de si, e as que hoje percebia ganharam um caráter de cor diferente. Ele poderia transmutar, claro! Dominá-las dentro da sua própria consciência, para que tivesse sol quando quisesse ou lua quando assim desejasse na sua verdadeira vontade. Tudo não era simples, era necessário por em movimento forças que não sabia muito bem se sabia como controlar...

Enquanto isso, num outro ponto Dhrei deitado em sua cama observa o teto e sente-se sonolento. Naquele momento ele poderia na mais pura e clara vontade deixar-se levar, como um barco vazio por um rio que desaguaria do alto de um grande rochedo. A queda não o punharia em risco, estava tudo dentro dele e a água lhe faria bem quando sentisse as gotas a flutuar molhando-lhe a testa enquanto caia. Ainda podia sentir tudo, desde o gosto como a visão. Aquela que lhe servira a bebida outro dia, formosamente bela e inconsciênte de sua presença, sabia ele ser capaz de conhecer melhor o que ela sentia em momentos longe do tinir dos copos ou dos pratos do lugar onde trabalhava. Decidiu, assim que a tarde desse o seu ultimo sinal ir beber algo e quem sabe permitir-se vê-la. Dormiu e não posso mais sentir o que emanava dele, pelo menos por agora.


Tomas entregara-se por completo à meditação como há muito não fazia, e isso criava-lhe sempre uma sensação de peregrinação em direção a algum ponto oculto dentro de si. Era como se pudesse sentir a dor e o cansaço de tal afastamento, de ter deixado que intervalos tão grandes limitassem momentos como aquele onde poderia entregar-se em luz. Os sábios antigos diziam que o controle do fluxo mental era importante, assim fazendo era possível dissolver os véus que limitavam a consciência de sua real natureza divina. Isso era revelador, mas Tomas não conseguia interromper os pensamentos que o assaltavam a mente. A visão do divã naquele dia, enquanto estava na janela observando as luzes que se acendiam do lado de fora e olhava sempre para trás, ali estava a pedir-lhe atenção. Como de súbito sentia o aroma de Vick e os seus cabelos, sentia como se pudesse preservar dentro dele mesmo tal aroma. Como os mestres vidreiros que tinham o toque de mão perfeito para fazer o melhor frasco capaz de conter toda a essência de um perfume sem deixar que uma ventania levasse-lhe uma gota!

Lá ficou sentado, como em estado hipnótico observando o que se passava internamente sem que ele pudesse ter o menor controle. Mesmo longe poderia ser sentido por ela, que poupava-lhe certos detalhes de si mesma e o conduzia a uma certa vida que tomava forma toda vez que Tomas respirava junto com ela. Parece que o apartamente se encheu de neblina, quase não consigo observar o que agora se passa. Talvez a vibração que lá existe esteja envolvendo tudo num sentido íntimo e particular que prefiro deixar como está, apenas seguindo a contemplação da beleza que dela emana.


As lembranças dos sonhos que tivera ainda eram presentes, procurava vivenciar o que os seus sentidos lhe diziam, mas o seu interior apenas pedia que pudesse ficar longe daquilo tudo. Era inevitável naquele momento deixar de se entregar àquela sensação, mesmo tendo muito o que fazer ali onde trabalhava. Subia um vapor perto de onde estava, tantas misturas de cheiros que exalavam das pessoas e o que elas queriam para beber ou comer, a fazia quase que não sentir fome. Era como se tudo aquilo perdesse a graça para ela, os sentido já estavam dormentes e ela só queria algo em que pudesse encostar o corpo. A presença do divã verde-musgo era forte, como poderia ter adormecido nele sem simplesmente dizera o que queria dele? Ela nem mesmo sabia, queria sentir-se nova e quando segurou a mão de Tomas, sem que nada pudesse acontecer desabou num sono profundo próxima dele. Ao acordar ele não estava mais, havia saído deixando uma pequena refeição na mesa circular. Ela provara com a sensação de que o amor se manifestava nas formas mais inusitadas e perigosas a cada pedaço das coisas preparadas por ele que ela deixava o seu corpo absorver.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Contos interditos - Parte 6

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A gravura imponente de Shiva pendurada na parede oposta ao divã criava um clima místico e eterno no ambiente, o olhar com que o deus hindu e sua forma regeneradora observa a tudo lembra-me um tempo antigo repleto de mistérios. Tudo que era feito e sentido aos seus olhos era encarado como uma prece, feita das mais diversas formas e sem se fixar em padrões estabelecidos. A energia já fixada naquele rosto bem desenhado trazia grandes lembranças que nunca seriam reveladas, pois o tom mudo e silencioso do semblante de Shiva não era do tipo de expor o que observava. Afinal, ele era responsável pelas mudanças do universo, por dar um caráter novo a tudo que havia sido criado, assim como destruí-lo por completo para que tudo possa se manter sempre em movimento.

Mas existia algo que a gravura da divindade nunca havia presenciado dentre aqueles anos de visão e mudanças na atmosfera daquela sala. Já vira muita coisa em quietude, amores como uma meditação profunda e repleta de compaixão. A compaixão que sabia que significava a vivência dos pesares nos sorrisos que Tomas permitia-se trazer consigo, vindos de diversas nuances e que ele lidava com certa maestria. Havia também uma pequena mesinha esquecida, onde ele sempre repousava alguns poucos livros, que cheiravam a incenso muitas vezes acesos enquanto estava presente, e certos instrumentos que só depois de algum tempo conseguir entender o real siginificado oculto. Os incensos tinham um caráter especial no universo no qual tudo aquilo conspirava, servia-lhe como meio de realçar os aromas que muitas vezes vinham presos nele mesmo e que o rebatavam o pensamento às alturas. Então a fumaça que vagava pelo lugar servia-lhe de caminho ao seu sono, leve e repleto de sensações não muito fáceis de descrever.

Havia marcado para o fim da tarde o encontro, e certamente que um certo atraso por parte de quem chegara seria tolerável, mas Tomas realmente ficava impaciente ao ver os olhares hindus sobre ele enquanto algo novo estava por tomar forma. A porta levemente levantou um ruído que ele sabia de quem era, Hesse. Passou a mão pelos cabelos e caminhou em direção à porta que o aguardava, percebeu que alguma coisa nova além do antigo estranho também o aguardava do lado de fora do apartamento. Uma leve mecha caía à testa do rapaz ao lado de Hesse, que foi imediatamente cordial ao apertar-lhe a mão após serem apresentados. Era claro que Dhrei estava realmente admirando cada vez mais a companhia de Hesse para deixar-se envolver em tais ambientes repletos de coisas novas e não muito simples de enteder ao primeiro piscar de olhos.

Entraram, o aroma do incenso já apagado ainda presente no ambiente elevou ainda mais o tom da atmosfera para aquilo que Hesse sabia que realmente lhe era familiar. O deus os olhavam e como de costume apenas observava mais um ciclo de novos acontecimentos. Teria ele algum tipo de influência nesse novo caminhar das coisas? Parecia um guardião, algo tranquilo de se observar porém forte e impávido como somente alguns orientais que conheci.

Sentaram os três numa pequena mesa de forma circular que ficava mais próxima da visão da janela de vidros longos, que apesar da chuva deixava clarear algumas luzes acesas do lado de fora. Conversaram sobre diversas coisas, principalmente sobre aquelas que despertava o interesse de Hesse e Tomas em uníssono, as visões que tinham e que muitas vezes o maltratavam por eles ainda não terem o controle necessário para viver certos tipos de sensações da forma como queriam. Como por um instante Hesse lembrou-se com uma força enebriante da figura de Lídia, e das vezes que a força aparentemente foi controlada quando ele adentrara o seu universo particular de sons que somente os deuses esquecidos ainda guardavam a melodia. Ainda poderia ouvi-la?

Dhrei contou-lhes o momento que sentiu a primeira vontade de simplesmente deixar-se queimar. Não tinha sido a muito tempo que as formas começaram, sendo apartir daí que elas se tornaram calmamente frenqüentes. Drhei tinha uma grande diferença dos dois que ouviam atentamente o que ele tinha a dizer, Dhrei era unitário. Tudo o que fazia era focado unicamente em uma faceta daquilo que no momento lhe interessava. E quando tentava atentar-se a mais de uma via, ficava completamente inerte e faltavam-lhe os sentidos. Era díficil para ele lidar com tudo aquilo em uma única percepção. Ajeitou a mecha levemente aloirada que caíra-lhe sob a testa e bebeu mais um gole de vinho, enquanto tentava retomar a atenção na conversa.

Tomas olhou para Hesse e mencionou o tempo em que ouvira falar de Jung e suas estórias. A psicologia que ele gostava era desprovida de qualquer detalhe formal, isso aprendera consigo mesmo após terem sido apresentadas, por uma antiga amiga que gostava de suas obras, os arquétipos que tanto observava nas pessoas. Dhrei já ouvira falar muito de métodos e técnicas sobre o entendimento que ainda se tentava aprimorar para que a visão do homem para consigo mesmo fosse mais real, mas sabia no seu íntimo que somente a beleza artística do toque e dos sentidos mais simples levariam a tal estado de elevação. Hesse apenas observava e brincava com os seus próprios dedos como num gesto de total despreendimento e inoscência para com o que os dois rapazes exalavam.

Compartilharam daquela sensação durante todo o fim da tarde, a chegada da noite parecia sonolenta por natureza. Como se quisesse preservar os outros seres das sensações que saiam pelas janelas daquele apartamento. Apenas deixando com que colhessem algum fruto maduro num futuro próximo, mas essa não era a hora. Precisavam de mais tempo para sentirem verdadeiramente o que brotava espontaneamente deles, e assim olhando para Shiva pensei que a eles talvez o universo pudesse conceder tal dádiva...

Contos interditos - Parte 5

Afagos

Sinto que as coisas ganharam um patamar inesperado, não poderia imaginar que simplesmente gestos e olhares levassem as sensações a um estado tão forte e possuidor. O clima no ar do apartamento era sutil e silencioso, poderia ser algo mais quieto que aquele aroma sempre exalado no ar? O suor deixado e os sussuros ditos em noites mais frias que as que costumamos ver por cá nessa época ainda são muito vivos naquele canto, agora escuro, da sala que adormece.

A garçonete que Hesse vira, agora lá deitada e a dormir. É como um vapor que sinto subir ao teto olhando tal respiração a pulsar como misturada ao próprio silêncio. Tomas não mais estava, precisava respirar e não se sentia calmo ao ponto de compartilhar com ela o seu sono solitário, necessário para que se sentisse ainda ele consigo mesmo. Seu corpo ainda era o próprio perfume dela como única força que o entorpecia até a lua que de cima iluminava os céus e a cidade onde todos dormiam em inconsciências, mas não ele. Sentia-se completamente absorto em tal estado ao ponto de não mais saber como agir, aquilo o conflitava. Seria a ele permitido galgar tanta responsabilidade de absorver aquela vida e dar-lhe as mãos?

Os deuses todos haviam lhe mostrado tudo o que já sabia, mas existe uma grande diferença entre o saber e o sentir que se sabe. E ele era assim queimado por todas aquelas sensações que o conduziam a um estado de nudez e vontade mórbida de queimar-se ainda mais, mesmo que isso o reduzisse à exaustão física e levasse consigo a noção de ser simplesmente quem era. A varanda onde observava o vento uivar era alta e poderia ficar lá como estava na sua mais pura intimidade sem receio de que o apontassem como algum tipo de salvador ou como algum louco narcisista. Poderia encostar na parede e observar à vontade a tudo de mais singelo que acontecia naquela noite, e ainda mais, poderia deixa-se conduzir pela vontade de mergulhar naquela imensidão macia que era o corpo daquela que a ele se mostrou abrindo a sua caixa de Pandora sem o mínimo receio de que isso poderia destruir aquele mundo por completo.

Ele era destrutivo, não poderia negar, sabia que existiam forças que manipulava e que nunca tinha consciência total delas. Apesar de elas o testarem a cada momento, intensamente em doses homeopáticas com gotas boas e ruins, porém fortes. Aonde isso o poderia levar? Acredito que o pensamento que acaba de passar em sua mente tenha algum sentido, talvez deveria ver Vick e deixa-se consumir um pouco pela chama viva que ele sentia que não o compreendia por completo, mas o escutava como um certo respeito e dedicação.

Fechou a janela e resolveu sair, nada o importava naquele momento a não ser a vontade de dormir em algum lugar onde o seu perfume não o incomodasse tanto. E lá, vestindo algo que não consigo ver, caminha ele descendo as escadas na penumbra que é quase um feitiço que sabe precisar de algum tipo de encatamento vindo de outra parte para que possa nele fazer-se parte, dizendo algumas palavras de poder que elevem tudo aquilo pelo menos por um segundo.

Sempre a viu como uma menina-mulher, era elegantemente desageitada. Ao saber que ele lá estava, procurou descer as escadas de sua casa e encontrá-lo no jardim dos fundos pisando vagarosamente para que a sua casa não acordasse e fizesse o dia amanhacer prematuramente. Eles tinham um gesto particular de se comunicar, Vick o ensinara a balançar com cuidado uma aste de metal por onde uma planta estranha se enrrolava até o alto e tocava-lhe a janela criando um ruído que ela sempre saberia que a chamava. Ao vê-lo, empalideceu e deixou-se conduzir num terno abraço que ela sentia ser de uma força não daquele mundo, mas como se viessem da própria divindade que exalava carinhos através daqueles braços tão gentís com ela.

Era muito quieta, e Tomas sabia disso pois assim também o era. No seu íntimo como uma revelação, sabia que após aquele instante ficaria um tempo sem vê-la para o próprio bem da menina. E por momentos questionou a si mesmo se deveria ter vindo até aquele jardim, ainda húmido dos dias chuvosos que o rodeavam. Esqueceu e entregou-se por completo, a amou por inteiro da sua forma singular. Enquanto isso lembrou-se de versos e do divã que repousava, decidindo partir naquele momento deixando Vick com o seu amor metafísico e a sensação de ter sentido verdadeiramente a alma dele.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Contos interditos - Parte 4

Permitir-se

Os dois se entre olharam e sorriram, Drhei sentia-se bem por poder ter sido compartilhado com ele as sensações que Hesse vivenciava naquele instante. Ele o conhecia a algum tempo, porém Hesse era tão longe de ser! Falava, mas o que dizia não era simples, os outros o ouviam atentamente mas só ele se permitiu contato. Era bom para ele sentir-se inspirado por certas conversas e certos goles de alguma bebida gelada, lembro-me que da última vez o que pedira para beber o enjoou facilmente apesar das conversas sobre sorrisos disfarçados e perfumes que enebrivam-lhe os ouvidos.

Dhrei comentava-lhe que o pensamento também existia dentro de si, e que o maltratava em certas ocasiões, mas certamente não eram iguais ao que Hesse sentia. Demoraram tempos para chegar a tais conclusões em parceria, apesar de certas afinidades. Em um dos lados muitas vezes existia uma recusa de manifestar-se, de compartilhar algo que poderia não ser muito bem notado ou que fosse de alguma forma julgado. Esse era o típico pensamento montanhês que poderia se notar à distância como um farol aceso na penumbra, mas que certamente nem todos aceitavam em acender os seus ao vê-lo brilhar de lá do alto.

Comentavam repetidamente, em momentos esparços, sobre aquela que lhes serviram as bebidas. Hesse sentiu-se atraído de uma forma distante, mas nada manifestou a não ser um leve contentamento por ter podido ter momentos como aquele. Ela o notou por um instante, e deixou-se prozear algumas palavras de uma forma espontânea, e era notório que o semblante dela era algo mais que aquilo que no momento podía-se ver. Existiam certos compromissos que Drhei não percebeu, mas Hesse o mostrou e assim notaram que um sorriso como aquele é algo muito delicado. Pois existem forças muitas vezes imperceptíveis que precisam ser levadas em consideração quando uma atitude tão despojada, como aquela que tinham, era deixada-se notas além dos dois.

O nome de Tomas foi tocado, apenas no momento em que a lembrança de um dizer seu veio à mente de Hesse e ele a deixou sair. Ainda tinha muito o que conhecer e perceber do que envolvia aquele que ele sentiu um tom parecido na caminhada que ele mesmo agora fazia. Tão igual que o agoniava certas coincidências de tempo e espaço que notava quando conhecia mais aquela vida que já tinha o seu mundo, mas que só agora foi-lhe apresentada quase que sem querer.

Tinham coisas a fazer, porém naquele momento somente o que compartilhavam importava. Eram diferentes em diversas maneiras, mas existia uma certa cumplicidade na forma como Drhei respondia às emanações de Hesse. Foi quando o último lembrou de que alguma coisa muito forte e sombria acontecia no interior de si mesmo naquele momento e tentou contentar-se com o enjoo e as mãos geladas característicos daquele tipo de acontecimento. Olhou para a moça e novamente olhou, sabendo que de alguma forma aquilo teria algo a lhe dizer...

Contos interditos - Parte 3

Sono

A primeira lembrança dela, um dia calmo quando entrava nas escadarias que a conduziriam ao seu mundo novo e mágico. Ela era leve, calmamente leve no seu andar, e isso a deixava com um ar de menina que certamente poucos percebiam, certamente poucos. Podia sentir a leve melancolia que corria por seus cabelos, que muitas vezes pareciam maiores que o de costume quando o seu rosto insinuava um pensamento introspectivo dentro de si mesma. Suas experiências, intensas as vezes a levavam à um estado de certo conhecimento da vida, mas algo ainda insuficiente para fazê-la solta de certas sensações e apegos. Apegos estes que ela nem mesmo sabia que possuia, pois a forma como se manifestavam deixavam meio que dormentes certos sentidos seus.

Cresceu e tinha uma força de domínio jovial em seu olhar, era natural por natureza. Como vinda de um país distante onde somente ela existia como serva e rainha, que aprendera desde cedo os hábitos mais simples e ao mesmo tempo mais sofisticados para aprender a lidar consigo mesma. Tinha gestos pacatos e intensos quando estava só, de uma simplicidade que a levava muitas vezes ao sono e a melancolia. O seu reinado era incompreendido entre os seus, nada era percebido além de mais alguém com que tinham que lidar e que de alguma forma despertava-lhes um certo afeto extremamente discreto, por oras.

Conhecera o tom aveludado do divã numa forma inesperada e na primeira vez que entregou-se nele adormecera facilmente. Coisa estranha de perceber, pois lembro de como o seu sono sempre vinha de uma forma rebelde e passível de domador, mas lá era diferente. As sensações eram retalhadas em um universo à parte, muito próximo do seu reinado absoluto de princesa de si mesma. E isso fez sentir algo extranho e atordoante, daria tudo por aquilo! Apesar de nunca sentir apego por nada nem um amor por suas coisas, queria jogar-se por inteira no veludo verde-musgo e lá segurando uma mão com bastante firmeza adormecer...

Como alguma necessidade oculta de balancear as coisas, em seu sono tranquilo sonhos penosos a faziam gemer. Sentia certos pavores que somente o vazio que a preenchia o corpo deitado poderia deixar ecoar a quem estivesse perto e fosse sensível para perceber. Coisas se revelavam pelas entre-linhas, mostravam-se a ela como uma luz forte e ela sabia que se olhasse muito tempo para elas poderiam cegar-lhe os olhos do futuro de uma só vez! Ela acordava com a mesma velocidade com que dormia e o pensamento ainda a assombrava com tais sensações vindas unicamente do seu inteior, mas que eu sei que tinham reflexos externos.

Tomas sabia que o que o circundava a afetava amargamente, quase como punhal. O deixava inquieto o pensamento que logo se sucedia ao encontro dos dois, a vontade de ficar só e deixar-se penetrar por lembranças e pela briza refrescante que somente poderia sentir sozinho. Poderia ele segurar as folhas que caíam da árvore que ela cultivara por tantos anos e que somente o vento poderia levar? Isso o maltratava, fortemente o maltratava. Tal visão foi percebida quando vira Hesse e a este estendeu a mão, o olhar.

Contos interditos - Parte 2

Manhã

Tomas tentava manter a calma, através de uma sensatez que ele sentia que já não dominava muito bem. Simplesmente olhava através da janela a vida que passava diante de seus olhos e procurava aquietar as sensações e novidades que lhe rodeavam o pensamento. Lá dentro, estava o seu divã cor verde-musgo onde impregnado pelo perfume já não era o mesmo, e ele sabia disso.

O compartilhar daquilo que simplesmente era silenciosamente seu, à primeira vista causava-lhe uma sensação tranquila, mas com o cessar da sonolência ele se sentia invadido por forças que tinha ajudado a libertar. Naquele dia levantou como de costume, mas algo lhe rebateu o ser quando olhou para si mesmo frente ao espelho do banheiro e percebeu que a sua pele ainda era a mesma. Era como se pudesse fechar os olhos por um instante e perceber que o espaço na sua frente não mais pertencia somente a ele, pois algo em seu interior já havia se manifestado e fincado a sua bandeira da conquista no alto de sua própria colina antes nunca pisada.

Como de súbido deitou no chão frio e ficou a tatear pensamentos que o circundavam, quando ainda sonolentos seus olhos procuravam algo inexistente no teto. Naquele momento sentiu-se bem por conseguir não pensar, apenas entregar-se à sensação de solidão ligada ao frescor que invadia o seu corpo nú devido o tempo relativamente frio que tem feito nas últimas manhãs. Por lá ficou e deixou-se estar, lembrou-se da imagem figurada em seu divã e assim adormeceu por instantes. O sono compartilhado, agora ele sabia que existia e fluia por suas mãos...

Agora consigo vê-lo na janela, ainda rebatado pelo frescor e pela dúvida. Havia entregue-lhe a vida intocada, como poderia lidar com isso? Sentia-se destruidor por pensar que tinha tal poder de conseguir fazê-la dormir e observá-la com tal atitude de contemplação. Sabia que o que tinha entre as mãos era algo forte, energeticamente forte e sentia que havia um propósito ainda por ele desconhecido. Percebia o dom de conseguir mudar de forma, do calor ao frio, como um estado mental que vinha do íntimo do seu ser, mas isso nem sempre o fazia bem quando a sensação de gosto amargo vinham-lhe à boca através de um enjoo discreto a torturar-lhe a pélvis.

Começou a choviscar, e ele lá continuou pensando que aquela seria mais um momento de purificação que os deuses lhe mandavam de algum plano metafísico. Mas estava parcialmente enganado, os pingos grossos caíam e ele ainda com os olhos para cima decidiu adentrar o apartamento e voltar ao seu universo banhado pelo aroma que exalava um fogo-sossego do móvel verde-musgo no canto da sala.

Contos interditos - Parte 1

Percepções leves

Em tempos nem sempre breves, consigo ver a figura escondida e rebelde que Hesse figurava quando olhava para o vento. Enquanto simplesmente deixava-se entorpecer pelo gosto ainda presente em sua pele das emoções sentidas e que, segundo ele, o faziam entorpecer a consciência numa forma muitas vezes necessária. Naquele dia estava diferentemente novo, entorpecido pela chama que o queimava de algum lugar e que ele simplesmente deixava-se consumir como vela acendida por algum faraó em algum templo secreto.

Somente observava a multidão de sorrisos que passavam frente os seus olhos e que o levavam a sentir o aroma daqueles passos e daquelas carícias que os corpos faziam ao cruzar o ar a cada passo. Novamente o gosto voltava-lhe à mente e o torturava, mas ele deixava que viesse e mostrava-se algo consistente naquele constante movimento muitas vezes inusitado de sensações. Lembrava-se de todos os que conhecia e permitia-se sentir as fragâncias dos momentos vividos que o faziam se comportar como algum almirante, agora desprovido do seu cargo, que contemplava o mar como uma leve mistura de não-perda e juventude.

Era tudo tão novo, em uma bele roupagem aveludada! Isso era tão forte na sua cabeça que Hesse procurava apenas não lembrar de todos os versos e tentativas de compreenção tateadas como golpes no ar em tempos não muito distantes. Ele simplesmente procurava deixar com que os goles dados da bebida ainda gelada procurassem dissipar o véu do passado e lhe conduzissem a um breve momento de novidade. Era explêndido poder ser tudo aquilo, poder saber que no seu íntimo tudo poderia ser percebido e acariciado sem o menor receio de ser livre ou de ter que parecer belo numa forma que agrade aos cegos.

Enquanto observava os ruídos de vidros se tocando, lembrou-se de Haller e Sinclair, não mais os via. Simplesmente haveriam transcendido a diversidade que se encontravam em contos interditos? Eles estavam consigo, num mesmo planeta verde que o levava ao sabor do musgo fresco e dos raios de sol que não teimam em raiar.

E Tomas que acabara de conhecer, ainda estaria na janela sem saber o que fazer?

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Tung-ta, banhando o vento nas virtudes de suas preces antigas...

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Luzes esquecidas...

"Quem quiser nascer tem que destruir um mundo; destruir no sentido de romper com o passado e as tradições já mortas, de desvincular-se do meio excessivamente cômodo e seguro da infância para a conseqüente dolorosa busca da própria razão do existir: ser é ousar ser.
(Herman Hesse - Demian)

Será possível de alguma forma
Existir um recomeço verdadeiro,
Desde o ínicio?

É fácil entender agora
O porquê do esquecimento,
Das frases a serem ditas
E calmamente serem apagadas da memória
Por alguma força aparentemente desconhecida e natural.

Seria real,
Estar em si mesmo e seguir a essência
Sem as simplicidades destrutivas,
Até que elas não sejam necessárias?

Não há vontade de nada repetidamente novo,
Mas por que haveria
Se de nada do que se tem vale a pena
Quando se percebe aquilo que se vê é simplesmente você?

Levam os recomeços,
Mudanças e tudo que se quer.
Ficam as luzes que saltam por dentro
Quando aquieta e respira a existência
"cujo centro esta em toda parte e a circunferência em lugar nenhum".

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Por onde passa a igualdade dessas sensações
Que fluem por sorrisos, os mesmos,
Sem deixar porquê.

E o toque do mesmo sentir, frio,
Simplesmente conduz à um lugar qualquer.
Nem próximo ou longe, apenas um lugar.

A viagem por terras distantes,
Novas brisas
Entorpece o pensamento, quase quieto,
De que o que se quer talvez não se deva tocar.

Leve-me como sou...

Take me from here,
Crystal breeze just now remembered,
To distant lands.
Where the water flows without needs or argues,
Withoud answering.

Just let it as it has always been,
And let me feel the rocks which cold
Put my head in nights of wonder.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

O poder destrutivo do que temos
Talvez nos conduza, naturalmente, à liberdade.

Em absolução do pensamento,
Através de um simples aroma.
Misturas (nunca feitas) de fragâncias
Envolvidas individualmente em misterios correspondentes
Entorpecem os descrentes e os conduzem à estuperfação.

E então misturam-se todos,
Contemplados pelos cheiros uns dos outros
Espalhados no ar em lenço fino
Por mãos habilidosas
Que pela mistura não se deixou, aparentemente, enganar...

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Perfume


Ainda posso sentir o perfume em minhas mãos, ainda posso.
O perfume que me faz esquecer quem sou,
Que me faz transpor as leis que mesmo escrevi
E que hoje queimo todas,
Deixando que se vão como centelhas na noite de mim mesmo.

Quero o alto, novamente o alto!
Ver de lá de cima o que não me tem,
O que me conduz ao estado de simplesmente não ser nada.
Simplesmente sensações, ouvir, sentir
Olhar para o que nada sou...

Não sentir cheiro absolutamente nenhum,
E poder perceber isso.
Não olhar para nada somente por olhar,
E não raciocionar sobre isso.
Sentir todos os deuses,
Deixa-los com o perfume das flores que brotam
E secar-me com elas, em essência secar!

Olhar para as árvores que passam.
Velozmente passam por meus olhos
E somente percebo, sinto-me como elas.
Pequeno e belo com algo que renasce das cinzas.
Como folha caída do alto,
E presa nos cabelos de alguma Deusa menina.

Sinto-me queimar!
Como chama cativa em briza leve
Motivos eu já nem sei,
Nem que seja somente estar
E viver um segundo de eternidade.

A dor a revelar o que de explêndido posso perceber,
Os sorrisos que posso sentir e me ter com eles.
Sabendo que apenas posso olhar e nada mais,
Sendo como o sol alto, refletido em lótus branca
Com direito a matizes que ainda não posso perceber.

A lotus menina...



O vento que soprava
Balança as pétalas do que não conhecia.
Quieta, mas não parada
Sentia a flor que da água surgia.

E apesar das águas, simplesmente resistia.
Vagamente a lembrança,
Daqueles que meditaram um dia
Em iluminação verdadeira do existir.

Mas o que será que aconteceu,
Para que incendiasse o seu pensamento
E ela simplemente sorrise para o alto?
Leve sensação do que não conhecia, diferente alegria?

E os seres que já a viram,
Estariam a caminhar pelos mesmos prados.
A molhar os pés nas mesmas águas?

Não como eu
Que apenas sente consigo mesmo
O frio nas mãos ao vê-la sorrir
Enquanto digo:
"Em olhares, expresso-te meus desejos sinceros.
E em lotus, minhas sensações verdadeiras..."

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Ventos sem fim


Num sonho claro,
Vi o fim do horizonte.
E um homem antigo, simplesmente olhava
Como eu, o vento que passava por um mar distante.

Era infinitamente etéria a vista que me conduzia,
Entre fragmentos multicores
Rajados num céu sem tempos.
Via o mesmo homem e algo diferente.

Como chama ou nuvem, algo voava
Pelos céus de um momento sem fim.
E via, refletia, sentia
Aquilo que leve passeava pelos ares
Pelas águas frente a mim.

E quase que esquecendo,
Sinto a saudade do que não sei.
Apenas lembro do que em mim resta,
Do que verdadeiro existe
Entre o ser que voava, o homem e eu.