Victor Requião

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quinta-feira, 3 de maio de 2007

Contos Interditos - Parte 22

Sintilar

Existem formas diferentes de se encarar cada detalhe da vida, nem tudo que aparentemente se manifesta de uma forma significa necessariamente esta forma. Todas as maneiras de se olhar são válidas, mas nenhuma delas é a absoluta. Principalmente aquelas que são rotineiras, mais fáceis ou simplesmente porque as pessoas em geral a seguem como certeira de se alcançar a melhor escolha. Da mesma maneira seguem os ditos opostos, percebo que na medida que se vai caminhando eles se mostram cada vez mais fortes e conciliáveis, tão estranha a sensação parece depois de tantos anos de grande luta entre eles como dois lobos ferozes que convivem dentro da consciência. Tudo precisa ser sentido, não meramente com os sentidos ordinários do corpo, mas principalmente com a forma que se tem de percebê-los além da simples maneira de ver.

O sofrimento é algo que precisa ser sorvido em cálice de cristal, pois é nele que tudo o que de forte e desnecessário pode ser consumido até a ultima gota. Tudo bem, nem sempre essa última gota é derramada de uma só vez, mas pelo menos em momentos como esse se percebe a necessidade de derramá-la e de admirá-la no último gole. Isso não significa que as suas sensações não mais aparecerão, com certeza virão! Mas isso é uma outra estória, certamente já se foi construído o hábito de encará-las de uma forma saudável. O hábito se torna firme muitas vezes na presença do sofrimento, mas é tendo noção disso que é cultivada a sua força e a sua influência em todas as ocasiões. Pois o sofrimento nada mais é que uma alegria abafada, e a alegria um sofrimento desprendido e livre. A liberdade tem o papel importantíssimo de trazer a verdade ao que aparentemente é contraditório, apenas os opostos são pólos de uma mesma força que precisa ser sentida em equilíbrio. Pois se a balança não for sentida e o seu ponto central não for tido como meio de alcançar a paz, um dos lobos vai certamente uivar mais alto. Fazendo com que o outro fique quieto por um tempo, até que ele se manifeste com muita força reivindicando o seu papel em um dos lados.


Drhei acordara mais cedo naquele dia, o vento fresco soprava criando um certo arrepio quando lhe passava pelos cabelos. Sabia que mais um dia se levantava, e que aquele seria algo que o elevaria a lugares mais altos, certamente isso o deixava tranqüilo e um pouco destemido também. Estava metido entre alguns papéis quando, por intuição, olhou o relógio e viu que precisava ir. Tateando o papel dobrado dentro do bolso da blusa, como que para ter certeza que ele realmente existia, caminhou em direção a porta e a fechou de forma a não fazer qualquer ruído.


Suas violetas estavam com botões novos, fazia tempo que não as observava como nesta manhã. Parecia que muito tempo se passara desde o momento que as colocou na sacada da sua janela, eram realmente as vidas que saudavam o sol por ela quando acordava atrasada e não se lembrava de levantar as mãos em direção a ele. A chaleira fez o ruído característico indicando que a água já estava a ferver, umas folhas colhidas no quintal estavam em cima da mesa. O aroma a exalar pela casa indicava que aquele chá seria a sua comemoração íntima por haver merecido tal dia de percepção. Ainda tinha algumas horas antes de sair, então Vick bebeu o chá prestando atenção a cada movimento que ele fazia em sua boca ao liberar o seu sabor.


Tinha muita coisa a escrever, foi se deitar na metade da noite preparando uns estudos que estava desenvolvendo sobre algumas linhas de pensamento que o interessava. Eram coisas que certamente à grande maioria das pessoas pareceriam coisas desnecessárias, mas isso não era verdade. Era possível notar toda a importância que aquilo tinha pois eram claras as influências que exerciam na mente e na forma de agir de Tomas. Sua forma respeitosa e ao mesmo tempo descontraída destacava ainda mais o senso natural que ele tanto procurava cultivar. Acordou tarde, as horas passaram de forma tão rápida que nem sentiu. Tempo ainda lhe restava para tomar um banho frio, como de costume fazia quando sentia ter dormido muito, e comer um pouco de pão com a geléia de limão que comprara no dia anterior.


Lídia suava em frente ao vapor quente que subia, mexia com certo vigor o líquido vermelho amarronzado que havia dentro da panela. Estava tinturando um tecido branco, com algumas abas que por mais que tentasse empurrar para dentro do líquido teimavam por ficar fora dele. Seus cabelos presos atrás da nuca davam a ela um ar camponês, fazendo lembrar as mulheres antigas que colhiam ervas nos prados com a finalidade de obter tinturas de várias cores, desde flores amarelas até raízes grossas de tom avermelhado. Enxugou o suor que escorria-lhe pela testa e apagou o fogo, parecia que as abas já haviam perdido a sua brancura original.