Victor Requião

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Reduzir-se ao essencial


"Impuro e desfigurante é o olhar do desejo. Só quando nada cobiçamos, só quando nosso olhar se torna pura contemplação, é que se abre a alma das coisas, a beleza." (Hermann Hesse)

Por que será que ainda teimamos em complicar tudo ao invés de cultivarmos a simplicidade ao nosso redor? Parece bastante simples pararmos pra pensar e dizermos a nós mesmos que tudo o que temos e o que fazemos é porque exatamente precisamos. Nos basta afirmar que tudo o que temos nas prateleiras das nossas casas, nos nossos carros, na nossa mesa do escritório e dentro de nós mesmo não pode ser reduzido, porque senão estaríamos incompletos! Hoje mais do que nunca venho percebendo o quanto desnecessárias são as inúmeras coisas que carregamos nas nossa vidas e que poderíamos dar um melhor fim a elas. Isto não quer dizer jogar no lixo, não. Nascemos na era do consumismo exacerbado onde tudo o que usamos sempre terá o mesmo destino, o lixo. E assim crescemos na era do descartável, onde, pra que reutilizarmos se podemos simplesmente jogar fora e ter algo novinho em folha? Não é bem isso que quero dizer quanto a simplificarmos as nossas vidas ao essencial, é muito mais além, e envolve em evoluirmos alguns hábitos mais básicos e simplificá-los também. Enfim, aprendermos que "quanto mais, melhor".  Mas na medida que fomos dando os primeiros passos em direção ao essencial perceberemos que o "menos", o "simples", são mais belos, e geralmente melhores.

Na minha mudança recente pra São Paulo percebi uma grande oportunidade para por a simplicidade em prática na minha vida. Inicialmente, porque de qualquer maneira eu não poderia trazer tudo o que tinha comigo, e definitivamente, nenhuma companhia aérea iria aceitar que eu carregasse quilos e quilos de bagagem. Assim, além das roupas que saberia exatamente que iria usar, pensei comigo mesmo quais livros da minha estante seriam realmente válidos levar comigo, e quais deles eu realmente iria ler. Foi então que percebi que no decorrer dos anos eu fui comprando livros que até então nunca havia lido, e vi que para começar a minha "nova vida simples" me bastava viajar com no máximo três livros. E assim foi. Claro que toda mudança para uma cidade nova nos obriga a ter pequenos gastos com coisas novas, e foi ai então que percebi que seria o meu primeiro desafio da simplicidade, comprar somente o que realmente fosse essencial e necessário. Desde então venho tentando me reduzir ao que realmente preciso, aquilo que de fato me basta para levar uma vida onde o que mais importa é o que vem da minha essência, e não o que a moça do comercial ou a super promoção de camisas de grife ditam.

Para todas as ações que tomamos nas nossas vidas sempre há um reflexo no nosso interior, isso é uma certeza que cada dia que passa percebo com mais clareza. Nós agimos no mundo e o mundo age de volta em nós. Desta forma, ao tomarmos ações que simplifiquem as nossas vidas, diretamente estamos criando um espaço dentro de nós mesmos para que as coisas mais significantes ganhem maior percepção. Aprendemos assim a dar valor a elas e ao mesmo tempo não depositarmos a nossa energia em algo que não nos seja útil. Ao fazermos isso,  desenvolvemos o nosso foco, o nosso olhar atento sobre nós e o nosso redor. Quando "limpamos a bagunça" que existe em nosso espaço, passamos gradativamente a dar maior atenção ao que realmente importa, ao que realmente vale a pena, e assim aprendemos a levar a sério algo que começamos e temos foco para levar até o fim.

Algumas pessoas acham que quanto maior a variedade, maior é a oportunidade de acharmos o que realmente procuramos. Claro, não podemos generalizar, mas de que adianta termos muita coisa se não temos tempo para poder dar a devida atenção e usufruir do seu valor? Usando o princípio da Navalha de Ockham, se temos na nossa vida diversas possibilidades para uma mesma coisa (objetos na nossa casa, idéias, emoções, etc), a que nos traz maior valor é aquela mais simples. E todas as outras poderiam ser deixadas para um outro momento, ou então poderíamos dar logo um destino definitivo a elas, seja as vendendo ou mesmo doando pra quem não tem tanta diversidade de escolha quanto nós.

Outro detalhe que hoje em dia está moda é a terceirização, obviamente que para as empresas isto tem um motivo interessante no mundo moderno. Para as empresas, transferir a realização de um determinado serviço, se bem planejada e administrada, pode realmente reduzir o custo de muitos setores no final do mês. Entretanto, quando mudamos a ótica e apontamos o dedo para nós mesmos, vemos que isto muitas vezes nos tem tornado escravos de certos hábitos e certas crenças que na verdade só nos afastam cada vez mais de uma vida direcionada ao essencial. Será se ao invés de sempre comprarmos comida pronta, não seria mais saudável e acolhedor se reuníssemos sempre que pudermos quem gostamos e cozinhássemos uma boa refeição regada a uma boa bebida e a sorrisos? E quanto as nossas casas, os nossos carros, não poderíamos nós mesmos também cuidarmos deles ao invés de sempre pagarmos alguém para fazerem todo o trabalho que pagamos torcendo o nariz?

Que fique bem claro que não estou pregando aqui um completo reducionismo à uma vida "medieval" onde não podíamos contar com as facilidades do mundo moderno. Não. O que me refiro a uma vida simples, é exatamente nos livrarmos de tudo o que de fato é desnecessário e supérfluo, de tudo o que nos tira o foco e nos afasta de um contato mais íntimo com a realidade que habita dentro de nós mesmos.

Assim, quando atingimos estes pequenos hábitos nos sentimos mais leves, e ao olharmos o nosso redor percebemos um ambiente mais limpo e organizado. Em contrapartida, nos sentimos mais livres internamente, livres do apego e da distração visual. Distração que é atraída pelos nossos próprios olhos, sempre tentando direcionar a nossa atenção para tudo o que parece interessante, mesmo que nem saibamos realmente para que serve. Ou seja, eles tentam sem parar depositar a nossa atenção seja no grande número de tranqueiras depositadas nas nossas casas, até na multidão de pensamentos que nos martelam a cabeça a todo o instante. Então, se reduzirmos essa montanha de coisas ao que realmente nos sirva de verdade, reduzimos o stresse e o cansaço. E a nossa mente passará somente a conviver com o que realmente interessa e faz sentido pra nós, e então abriremos os nossos olhos para o dia, vendo que nele há muitas outras possibilidades mais importantes.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Tarde em mim distante



Quando eu penso em todos os que ficaram
Sinto a presença física da distância.
E as outras vidas que existem lá além da minha,
Antes eu as via, hoje as sinto em leve pensamento.

Não há como retornar o ser ao que era antes
Pois não há mais antes.
De tudo o que hoje é, sou tocado pela mansidão,
E a mim vêem com olhos além do pensamento.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Rever o antigo para conhecer o novo



Rever o "antigo" é um passo importante para que possamos conhecer o "novo" quando ele se apresentar. De nada adianta conhecer coisas novas, lugares novos ou pessoas novas se não tivermos a percepção do que realmente "nunca" havia nos acontecido antes, digo nunca no sentido de algo que até então não havíamos  vivenciado ou não havia em nós. Por isso,  ter a noção clara do que já existe em nós, do que já faz parte da visão de mundo que temos, é o grande trunfo para identificarmos o quanto realmente estamos evoluindo, tanto na nossa vida pessoal quanto na nossa carreira profissional.

Se pararmos para refletir um pouco, conseguimos notar que existem dois lados onde o "novo" costuma se apresentar. Primeiro, o lado interior, aquele que existe em nossa própria consciência e que se manifesta de forma abstrata daquilo que ficou das experiências que vivenciamos no decorrer da nossa vida. Neste lado ficam todas as sensações dos momentos que foram (e são!) significantes pra nós, indo desde o susto de ter enfiado o dedo na tomada quando éramos crianças, a lembrança de escalar uma árvore pela primeira vez, até mesmo a sensação de bem-estar do fechamento de um novo negócio ou do ouvir de um "eu amo você" vindo daquela pessoa especial.

Por outro lado ficam os fatores externos, que são aqueles que fazem parte do nosso convívio social e que modelaram a vida física que temos hoje. Isto se mostra evidente quando nos fazemos as perguntas mais simples, tais como, "se eu não tivesse ido ao colégio, faculdade ou até mesmo não tivesse batalhado pra conseguir o primeiro estágio, como seria a minha vida hoje? E o curso de inglês? E se eu percebesse que é importante ser amigo das pessoas?". Assim, por esse lado o "novo" se manifesta através do resultado das nossas escolhas, naquilo que fez e faz com que a nossa vida tenha a cara que tem hoje.

Ai então, de que adianta procurarmos ir pra lugares novos, conquistar um emprego novo ou um relacionamento novo se não tivermos a percepção do que realmente está acontecendo de novo e que nos faz diferentes do que éramos até então. Perceba bem que pouco importa se o que vemos como "novo" é algo bom ou ruim pra nós, pois independente disto, podemos estar vivendo sempre a mesma coisa, só mudando um detalhe aqui ou acolá, e confiantes pensarmos "isso nunca aconteceu comigo antes!". Aos poucos perceberemos que isso é pura ilusão.
 
Acredito que um ponto interessante para ampliarmos a nossa percepção do "novo, é termos pequenas atitudes que vão contribuir de forma única tanto no lado interno quanto do externo por onde ele gosta de brincar. Um primeiro passo, simples e direto, é entrarmos em contato com pessoas que foram significantes para quem somos hoje, tanto na nossa vida pessoal quanto na carreira profissional. Estas pessoas podem ser desde ex-colegas de trabalho, faculdade, ou até mesmo do colégio. Ou até mesmo antigos amores que contribuíram para o nosso amadurecimento e que nos fizerem passar a noite em claro. Porque não tentar meditar sobre "quem realmente ficou no nosso lado de dentro" e que poderia nos trazer um novo entendimento sobre o que já passou? Por que não tentar encontrar estas pessoas para um bom papo em algum lugar agradável? Esqueça a internet, a atitude sincera é conversar com a pessoa olho no olho! Com isso, aos poucos perceberemos que entendendo o que já existe no nosso lado exterior, aos poucos iremos ter a clareza da abstração e também da bagunça que há no nosso interior.

Porém, acredito que na medida que começamos a identificar os fatores externos e olharmos para eles com franqueza, começaremos por consequência a identificar aquilo em nosso interior que também precisamos (re)encontrar. Isto, nos fará reconhecer tudo o que passou como parte integrante de nós mesmos, e não como pontos à parte e desconhecidos. Claro que à primeira vista o que mais nos chama atenção são os fatores externos que acabei de mencionar, mas certamente há também os fatores internos que são fortes traços do que já existe em nós e que nos ajudará a perceber o "novo" quando ele nos aparecer à vista. Ai é que aparece a atitude "faixa-preta", será que não estamos guardando lembranças ou sensações que nos seria mais saudável se deixássemos que fossem levadas pelo vento? Será que não existem ciclos abertos ainda em nossas vidas que precisam ser encerrados para que possamos realmente dar a oportunidade de coisas diferentes se manifestarem? Isto obviamente é uma questão pra nossa própria reflexão, algo que somente cada um individualmente poderá levantar dentro de si mesmo.

Assim, na junção de pequenas atitudes externas e internas, o "antigo" em nós começará a tomar uma forma mais clara. E os momentos novos ganharão uma maior realidade, contribuindo de forma consistente para nos acrescentar novas facetas de vida. É como se numa manhã de sol percebêssemos que no quintal da nossa casa está germinando uma árvore frondosa, e que não havíamos antes notado pois os últimos dias de chuva nos cobriram a visão de que a semente já estava lá.