Victor Requião

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quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Contos Interditos - Parte 25

Coincidências

Com o passar do tempo, o desenrolar das experiências que são vividas através dos anos, uma percepção nova começa a se tornar cada vez mais constante. Cada ato, seja um olhar ou o mais terno sorriso, cada um à sua maneira está sintonizado com todos os demais. É muito simples perceber que nem tudo faz parte de uma mera coincidência casual de eventos que se tocam, e simplesmente assim agem como se estivessem desprovido de importância ou realidade. A ilusão de Maya, como aprendi com os hindus, define bem o que temos como "nossa realidade", apenas uma mera distração sensorial, uma teia qual todos seguimos e nos conectamos. Ai está o grande sentido, como numa teia de aranha que brilha numa manhã ensolarada de inverno, cada filamento da teia está diretamente associado à um outro filamento, que por sua vez está associado à um outro, de maneira que olhamos de forma única e percebemos que todos estão intimamente conectados com todos os outros. Então, o simples balançar de um dos fios, realiza o seu balançar por todos os demais, continuamente...

Estamos todos conectados, mas nem sempre percemos a sintonia que existe com os outros pontos dessa conexão. O meu cansaço, muitas vezes sentido como grande força a tomar-me o corpo, será que de alguma forma exerce influência sobre outro corpo, independente ou não de ele saber da minha existência? Isso não é simples de perceber, também não dá para notar até que ponto essa sincronicidade entre os pontos pode ser sentida. A grande teia que conecta todas as mentes e que a fazem responder como uma única força, em essência, se torna obscura quando se procura simplesmente observar uma única de suas facetas.

Ah, Lídia. Tão forte é a sensação que me vem dela, poderia dizer que a vejo como realmente a mais solar das mulheres. Dela, vejo o reflexo do próprio Sol, como que banhando em uníssono um imenso campo de trigo, fazendo refletir o mais puro dourado dos raios que ganham a forma da natureza enquanto da terra reluzem. Ao mesmo tempo sinto a noite escura e mágica vinda de Vick, nela o oposto à Lídia se manifesta. E da completa beleza dos seu cabelos negros e longos, é ainda mais encantador a lua que raia e simplesmente a banha com a sua luz. Nela a força lunar se manifesta, refletindo os caminhos que a noite parece esconder, como se simplesmente guardasse os verdadeiros mistérios onde somente a poucos seriam revelados. E desses caminhos as mais internas e verdadeiras sensações seriam manifestas.

As duas simbolizavam uma mesma pessoa, apesar de gostos e jeitos aparentemente diferentes, na verdade isso era o que mais as unia. Uma verdadeira essência feminina que trazia vida aos versos que Hesse muitas vezes escreveu. Esses versos muitas vezes eram escritos de uma forma incomum, sabia que aquilo era algo forte que lhe vinha pelas mãos, e simplestamente era como se necessitasse fazer com que o mundo de alguma forma pudesse sentir. Então costumava escrever ao Sol e à Lua, saudá-los numa forma intimamente particular. Lembro de observá-lo na janela do seu quarto com um pequena tigela branca de louça, lá costumava queimar alguns papéis com versos escritos enquanto o Sol incidia fortemente sobre eles. Na sua forma de ver, era como se o próprio Sol sorvesse toda a essência que havia posto nas palavras que escrevera no papel. Da mesma forma, em noites de luar, fazia secretamente aquele mesmo ritual à Lua. Deixava que com o tremular das chamas que se alimentavam dos seus versos, a essência íntima ali contida fosse elevada às alturas, e assim tocasse aqueles que a ela estivessem sintonizados.

Uma vez leu um deles em voz baixa, pouco antes de colocá-lo nas chamas que brilhavam na tigela:

"Pegarei um raio de sol,
E com ele enviarei o meu pensamento
Que parte para a humanidade.

Para o sol não existe a distância,
Apenas para a consciência dos homens ela é real.
Pegarei um raio de sol.

Mandarei com ele o meu olhar,
Para que sorria para cada ser
Que com os olhos do corpo não posso ver.

Assim eu pego um raio de sol
E torno-me livre como o pensamento."


O vento soprava leve, quase não se podia ouvir. Lídia e Vick se encontram sem querer enquanto caminhavam em direção ao ponto brilhante entre as árvores. Olharam entre si como se procurassem por mais alguém, mas não havia ninguém, somente elas. Ali as duas forças havia se encontrado, simplesmente se fixaram numa única só e isso certamente havia um sentido íntimo de ser. Tudo ao redor, a natureza, apenas ela realmente poderia sentir e acolher aquele universo de sensações naturalmente humanas, e por si só dignas da própria divindade. Os cabelos de Lídia vaziam voltas, como espirais que feletiam a pouca luz que havia por lá. Simplesmente tremulavam conforme os seus passos tocavam o chão das folhas que reluziam, mas não somente de Lídia eu percebia aquela luz. Vick e o seu encanto exalavam como pura beleza de uma noite que escurece sem que sentimos, como quando somos crianças e brincamos a tarde inteira com o sol a brilhar e a nos fazer escorrer o suor da meninice pela testa. Isso sim nos faz perceber o quanto podemos brincar como crianças, apesar dos anos que seguem e floreiam cada dia que passa mais o nosso caminho pela eternidade. O eterno retorno de podermos sempre ser a mesma essência, vinda dos mesmos deuses, frutos dos mesmos amores que tanto os sábios falaram e que somente os mais íntimos do campo sentiam na sua simplicidade e modéstia.

Elas caminham, apenas observo e me deixo conduzir pelos sentimentos que me colocam no colo enquanto as vejo seguir a direção da luz por entre as ávores. Lá estavam silenciosos, apesar de ouvir algumas frases soltas que Dhrei murmurava enquanto fixadamente comungava com o próprio fogo:

"... regava as flores, era de noite. Sentia nelas o beijo do Sol e da Lua. (...) um sorriso nosso, uma coincidência verdadeira."

domingo, 9 de dezembro de 2007

Contos Interditos - Parte 24

Luzir

As lembranças trepidavam juntamente com as chamas da fogueira que Hesse acendera assim que a noite começou a mostrar os seus primeiros sinais. De lá do alto onde estava pode perceber a magnitude da consciência que permeava todos os lugares e formas. Sabia que em momentos como aquele, o véu que separa os bastidores da vida e a visão clara dos espectadores era completamente posto de lado. Não por algum ser superior ou alguma força mística, mas pela grande força da egrégora que todos os que compartilhavam do Sinal da Lua poderiam fazer pulsar quando estavam com o seus pensamentos numa mesma direção, desta forma a sintonia poderia ser sempre aquecida. Para simbolizar isso, quando ouviu passos quebrando o silêncio de fim de tarde ao pisar as folhas secas das árvores, desceu da pedra alta e foi em direção aos gravetos que havia amontoado em forma de fogueira. Assim deu vida às chamas que logo começaram a pintar com fagulhas a escuridão, servindo de farol àqueles que chegavam e que naquele momento da noite poderiam se perder ao entrar no bosque.


Os passos se tornam mais próximos, Tomas andava vagarosamente por entre as folhas caídas das árvores que o circudava. O tom misturado da claridade do sol que arrefecia com a cor dourada da lua que surgia dava um caráter novo e misterioso ao chão daquele lugar. Na verdade sei que o mistério de fato é pura impressão, pois o mais misterioso dos acontecimentos em todas as vidas humanas é elas de fato não possuírem misterio algum! A simplicidade com que se leva e encara os acontecimentos da vida é a maior de todas as forças que conduzem ao despertar da verdadeira beleza das coisas. O vento soprava quieto, mas a camisa branca de Tomas com linhas verticais que intercalavam o verde e o laraja claro tremulava como se o próprio vento o saudasse, aquilo era natural. A natureza sabe e cuida daqueles que adentram ao seu reino de encantos com tal suavidade e respeito, assim era.

Não sabia muito ainde ir, afinal o papel de arroz estava ainda em seu bolso, e qual já havia lido diversas vezes, não dizia exatamente por onde deveria seguir. Apenas umas pequenas palavras eram ditas, o resto era deixado para que ele próprio encontrasse o rumo e o sentido de tal encontro. Achou graça como os sinais estavam por toda a parte, a lua e todas as folhas secas que luziam do chão a ele significavam muito mais que simples folhas caídas no chão, conduziam a uma bleve claridade por entre as árvores! Seguiu sem exitação por entre elas, num total sentido de intimidade com todos os seres que habitavam a floresta, e nesta hora entre o fim de tarde e o início da noite já estariam em suas tocas ou em busca de alimento. Percebeu com o tempo que o som dos passos que ecoavam por entre as folhas não vinham somente dos seus próprios pés, por algum tempo estava num único compasso que o fizera pensar que estava só a andar por aquelas terras, lá estava Dhrei. Fez um gesto com a mão esqueda com o intúito de que ainda na penumbra do dia que se esvaia ele notasse a sua presença. Assim foi, o gesto imediatamente foi retribuido e caminharam os dois na mesma direção como se naquele instante já soubesse aonde ir.


Hesse alimentava o fogo com os gravetos que havia recolhido por entre as árvores, a chama balançava ao passar do vento e parecia não se importar. A sua concentração era algo que sempre me chamava a atenção, mas agora estava diferente, parecia algo mágico observá-lo alimentando as chamas com aqueles gravetos enquanto olhava fixamente nos olhos do pŕoprio fogo que ardia. Era hipnótico e ao mesmo tempo longínquo os "olhos do fogo", e acredito que este tenha sido o maior de todos os sinais até agora, não simplesmente a claridade que fez Tomas e Dhrei encontrarem a direção, mas a força que servia como farol a todos aqueles que haviam se permitido entrar naquele reino de árvores e folhas que luziam do chão.

Ao sentir a presença dos dois, Hesse os olhou fixadamente de forma a convidá-los a não terem qualquer tipo de receio de se aproximarem. Sei que isto não era necessário, pois a intimidade que compartilhavam desde a última vez que estiveram juntos na casa de Tomas havia deixado claro o quão forte era a força que os unia. Sentaram em círculo ao redor da fogueira que trepidava ao céu que escurecia, lá ficaram quietos enquanto os estalidos das chamas davam a impressão de que o fogo realmente estava vívido e compartilhava também daquela mesma sensação de fraternidade. Hesse tocou com cuidado o papel de arroz que estava dentro do bolso de sua camisa, sabia que ainda não era o momento certo. Os outros fragmentos daquela mesma folha que escrevera sobre o sinal ainda não tinham chegado, com os braços abertos tocou nos ombros dos dois que estavam próximos, um em cada lado do seu corpo, e simplesmente sorriu...

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Contos Interditos - Parte 23

Reinvento

As sensações silenciaram durante um tempo, algo que tende sempre a nos levar para um estado diferente, talvez cego de certas coisas que estão simplesmente acontecendo ao nosso redor. Sei que tudo sempre está a acontecer, bastando um simples gestou ou uma simples coragem de ir lá e movimentar a roda, para que o curso da história de uma de nossas vidas seja direcionado para caminhos completamente diferentes, sejam tortuosos à primeira vista e depois revigorantes, ou muitas vezes plácidos e desconhecidos. Esse tal momento constante e infinito de completo reinvento de si mesmo é algo que não percebemos à primeira vista, essa constante necessidade da própria consciência de poder metamorfosear-se em um completo ser novo e fazer valer a sua própria vida. Vida esta que se permeia em milhares condidas em uma só, como o próprio raio do sol pode ser decomposto em outros multicores, mais intensos ou quietos a depender da força da chuva que o banha.

Sei que Hesse e Tomas sentiram e continuarão sempre a sentir tal pensamento, não o sinto como antes, talvez este processo tenha servido para que uma nova forma de simplesmente observa-los e participa-lhes da essência fosse descoberta. E quando paro e respiro fundo, sentindo o aroma dos cabelos delas, e da forma como dançavam ao redor da fogueira, percebo o quanto lúcido esse novo caminho se mostra à minha frente. Ah, os sorrisos...

"De trás do que sempre foi visto,
Algo estaria sempre a ser mudado.
Das mais leves sensações,
Por mais que em essência sejam as mesmas,
Seriam sentidas em novas cores.

E do gesto leve de simplesmente ser filha do próprio universo,
Ela sorriu olhando ao céu.
O vento soprou,
Trazendo sorrisos banhados em Sol."

Lídia e Vick)