Victor Requião

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segunda-feira, 2 de abril de 2007

Contos interditos - Parte 17

Dança

O véu de Isis, intocado de forma real por todos aqueles que vislumbraram a sua beleza alva. O verdadeiro sentir vindo de tal toque envolve sensações que emanam da pele fina cuja beleza timidamente se revela. Ainda que a sensação macia por trás do fino véu tenha deixado transpassar algumas centelhas de sua beleza, ele silenciou o mais importante de todos os mistérios ditos conhecidos. A multiplicidade de formas de se sentir uma mesma coisa...

Lídia caminhava de forma leve e seus passos me pareciam uma dança quando olhava de longe a sua forma feminina de quadris formosos a embalar o vento. Nesse momento a vejo como uma grega antiga, com suas sandálias de solado fino e laços cruzados pelos tornozelos de pele clara. Um vestido simples que a torneava o corpo e assim a fazia se confundir com a própria neblina que naquela hora da manhã flutuava pela rua por onde seguia. Seus cabelos de tom misturado entre o loiro e o castanho tinham cachos que caiam como espirais por suas costas eretas, e enrriqueciam ainda mais a dança silênciosa que a conduzia à verdadeira Grécia dos antigos festivais aos deuses do Olimpo.

Por mais que tudo parecesse costumamente natural, havia sempre uma forma nova que dela se manifestava. Encontrava-se sempre disposta a certos gestos de profundo significado, porém só se sentia apta a de fato faze-los quando sua mente de ímpeto a conduzia em sinais que ela percebia como se assim não fizesse, não mais lhes seriam mostrados pelo universo. Isso aconteceu quando viu Tomas pela primeira vez e sentiu a sensação que os antigos gregos tinham como enviadas pelos próprios deuses, a força mística Agape. Verdadeira como o vinho que continha todas imagens da paisagem que as uvas, após serem colhidas acabavam por trazer consigo, quando em seus cestos eram carregadas pelos campos de trigo. A beleza de tudo aquilo ainda era novo para ela, mas o suor que escorria-lhe por trás dos cabelos e que deixava a sua nuca corada, parecia emanar do próprio corpo das belas garotas que transmutavam o elixir de Baco nas formas corpóreas mais delicadas. Em goles dados em encontros secretos...

Assim também sentira quando viu Vick, na sua forma de menina delicada e intocada pelos ares urbanos típicos do local onde trabalhava. Lembrava ainda do aroma do chá que ela pedira, aroma que muitas vezes durante a madrugada sentia quando acordava durante a noite e banhava-se em águas frias, como se os banhos na madrugada a remetessem a momentos de purificação enquanto sabia que as pessoas estavam a dormir. Gostava de brincar com suas cartas de Tarot, repletas de palavras em alguma língua antiga, que comprara na livraria estranha próxima ao trabalho. Elas serviam como chave para os antigos ritos das florestas, onde os bardos tocavam suas flautas e encantavam os seres a dançar ao redor de fogueiras que mais pareciam focos por onde a força da terra trepidava. Assim ficava até o clarear do dia e saudava o sol antes de acordar para mais uma de existência.


O soltício estava próximo e todos os arautos do Sinal da Lua iriam novamente se encontrar, como uma única força de Luz em toda a escuridão dos anos que antecederam os atuais. Onde poderiam de forma verdadeira e livre, novamente se encontrar em noites que sempre elevariam as maravilhas por eles intimamente compartilhadas. Fazia pouco tempo que haviam sido contactados pela força que através de Hesse tentava destacar dentre o mundo de cegos, aqueles que ainda eram os verdadeiros responsáveis por trazer o equilíbrio humano à natureza. Tão atualmente esquecida e tida como desprovida de importância por outros que vêem unicamente nas forças da modernidade o real significado das suas vidas.

Desta forma os dias passavam e continuam a passar, acredito que tudo silenciosamente acabava por transformar os antigos membros da irmandade da natureza em seres cada vez mais novos. Eram purificaçoes contínuas, nem sempre indolores, que os levavam ao estado de percepção necessária. Libertando-os dos grilhões que durante toda a caminhada tentam prender os seus pés contra os passos da mudança. Mas é preciso ser como o Louco figurado em uma das cartas do Tarot de Lídia, frente ao precipício a única verdadeira direção é aquela que conduz às sensações dos sóis dos novos dias.

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