Victor Requião

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terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Contos interditos - Parte 6

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A gravura imponente de Shiva pendurada na parede oposta ao divã criava um clima místico e eterno no ambiente, o olhar com que o deus hindu e sua forma regeneradora observa a tudo lembra-me um tempo antigo repleto de mistérios. Tudo que era feito e sentido aos seus olhos era encarado como uma prece, feita das mais diversas formas e sem se fixar em padrões estabelecidos. A energia já fixada naquele rosto bem desenhado trazia grandes lembranças que nunca seriam reveladas, pois o tom mudo e silencioso do semblante de Shiva não era do tipo de expor o que observava. Afinal, ele era responsável pelas mudanças do universo, por dar um caráter novo a tudo que havia sido criado, assim como destruí-lo por completo para que tudo possa se manter sempre em movimento.

Mas existia algo que a gravura da divindade nunca havia presenciado dentre aqueles anos de visão e mudanças na atmosfera daquela sala. Já vira muita coisa em quietude, amores como uma meditação profunda e repleta de compaixão. A compaixão que sabia que significava a vivência dos pesares nos sorrisos que Tomas permitia-se trazer consigo, vindos de diversas nuances e que ele lidava com certa maestria. Havia também uma pequena mesinha esquecida, onde ele sempre repousava alguns poucos livros, que cheiravam a incenso muitas vezes acesos enquanto estava presente, e certos instrumentos que só depois de algum tempo conseguir entender o real siginificado oculto. Os incensos tinham um caráter especial no universo no qual tudo aquilo conspirava, servia-lhe como meio de realçar os aromas que muitas vezes vinham presos nele mesmo e que o rebatavam o pensamento às alturas. Então a fumaça que vagava pelo lugar servia-lhe de caminho ao seu sono, leve e repleto de sensações não muito fáceis de descrever.

Havia marcado para o fim da tarde o encontro, e certamente que um certo atraso por parte de quem chegara seria tolerável, mas Tomas realmente ficava impaciente ao ver os olhares hindus sobre ele enquanto algo novo estava por tomar forma. A porta levemente levantou um ruído que ele sabia de quem era, Hesse. Passou a mão pelos cabelos e caminhou em direção à porta que o aguardava, percebeu que alguma coisa nova além do antigo estranho também o aguardava do lado de fora do apartamento. Uma leve mecha caía à testa do rapaz ao lado de Hesse, que foi imediatamente cordial ao apertar-lhe a mão após serem apresentados. Era claro que Dhrei estava realmente admirando cada vez mais a companhia de Hesse para deixar-se envolver em tais ambientes repletos de coisas novas e não muito simples de enteder ao primeiro piscar de olhos.

Entraram, o aroma do incenso já apagado ainda presente no ambiente elevou ainda mais o tom da atmosfera para aquilo que Hesse sabia que realmente lhe era familiar. O deus os olhavam e como de costume apenas observava mais um ciclo de novos acontecimentos. Teria ele algum tipo de influência nesse novo caminhar das coisas? Parecia um guardião, algo tranquilo de se observar porém forte e impávido como somente alguns orientais que conheci.

Sentaram os três numa pequena mesa de forma circular que ficava mais próxima da visão da janela de vidros longos, que apesar da chuva deixava clarear algumas luzes acesas do lado de fora. Conversaram sobre diversas coisas, principalmente sobre aquelas que despertava o interesse de Hesse e Tomas em uníssono, as visões que tinham e que muitas vezes o maltratavam por eles ainda não terem o controle necessário para viver certos tipos de sensações da forma como queriam. Como por um instante Hesse lembrou-se com uma força enebriante da figura de Lídia, e das vezes que a força aparentemente foi controlada quando ele adentrara o seu universo particular de sons que somente os deuses esquecidos ainda guardavam a melodia. Ainda poderia ouvi-la?

Dhrei contou-lhes o momento que sentiu a primeira vontade de simplesmente deixar-se queimar. Não tinha sido a muito tempo que as formas começaram, sendo apartir daí que elas se tornaram calmamente frenqüentes. Drhei tinha uma grande diferença dos dois que ouviam atentamente o que ele tinha a dizer, Dhrei era unitário. Tudo o que fazia era focado unicamente em uma faceta daquilo que no momento lhe interessava. E quando tentava atentar-se a mais de uma via, ficava completamente inerte e faltavam-lhe os sentidos. Era díficil para ele lidar com tudo aquilo em uma única percepção. Ajeitou a mecha levemente aloirada que caíra-lhe sob a testa e bebeu mais um gole de vinho, enquanto tentava retomar a atenção na conversa.

Tomas olhou para Hesse e mencionou o tempo em que ouvira falar de Jung e suas estórias. A psicologia que ele gostava era desprovida de qualquer detalhe formal, isso aprendera consigo mesmo após terem sido apresentadas, por uma antiga amiga que gostava de suas obras, os arquétipos que tanto observava nas pessoas. Dhrei já ouvira falar muito de métodos e técnicas sobre o entendimento que ainda se tentava aprimorar para que a visão do homem para consigo mesmo fosse mais real, mas sabia no seu íntimo que somente a beleza artística do toque e dos sentidos mais simples levariam a tal estado de elevação. Hesse apenas observava e brincava com os seus próprios dedos como num gesto de total despreendimento e inoscência para com o que os dois rapazes exalavam.

Compartilharam daquela sensação durante todo o fim da tarde, a chegada da noite parecia sonolenta por natureza. Como se quisesse preservar os outros seres das sensações que saiam pelas janelas daquele apartamento. Apenas deixando com que colhessem algum fruto maduro num futuro próximo, mas essa não era a hora. Precisavam de mais tempo para sentirem verdadeiramente o que brotava espontaneamente deles, e assim olhando para Shiva pensei que a eles talvez o universo pudesse conceder tal dádiva...

Comments
2 comments
Anônimo disse...

...que conceda.

Parabéns pela criação!
Todos tão calmos, suaves e silenciosamente melodiosos...ouvia Svefn-g-englar(Sigur Róz) enquanto lia. Combinou perfeitamente.

E que venha o sétimo.
Abraço,

Anônimo disse...

ullalaaaaaa! nao sei...mas ..pode ser pelo q ando vivendo..e sentindo..mas ,,,senti tanta profundidade em suas palavras,,,tomara q vc continue a postar,,,e trazendo mt coisa boa...e diferente a tds q leiam...no meu caso...meu 'redemoinho de sensaçoes, impressoes e ideias" acabou de se tornar um tsunami,,,,páraaaa owwwwwwwwww!!(hihihihi)...
serio...vc nao eh soh mais um rostinho lindo..ou uma cabeça impressionantemente agil e madura,,,vc , È ... e poder ler algo de sua mente...é maravilhoso...um abraço mt terno, emanando boas vibraçoes!

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