Victor Requião

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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Contos interditos - Parte 2

Manhã

Tomas tentava manter a calma, através de uma sensatez que ele sentia que já não dominava muito bem. Simplesmente olhava através da janela a vida que passava diante de seus olhos e procurava aquietar as sensações e novidades que lhe rodeavam o pensamento. Lá dentro, estava o seu divã cor verde-musgo onde impregnado pelo perfume já não era o mesmo, e ele sabia disso.

O compartilhar daquilo que simplesmente era silenciosamente seu, à primeira vista causava-lhe uma sensação tranquila, mas com o cessar da sonolência ele se sentia invadido por forças que tinha ajudado a libertar. Naquele dia levantou como de costume, mas algo lhe rebateu o ser quando olhou para si mesmo frente ao espelho do banheiro e percebeu que a sua pele ainda era a mesma. Era como se pudesse fechar os olhos por um instante e perceber que o espaço na sua frente não mais pertencia somente a ele, pois algo em seu interior já havia se manifestado e fincado a sua bandeira da conquista no alto de sua própria colina antes nunca pisada.

Como de súbido deitou no chão frio e ficou a tatear pensamentos que o circundavam, quando ainda sonolentos seus olhos procuravam algo inexistente no teto. Naquele momento sentiu-se bem por conseguir não pensar, apenas entregar-se à sensação de solidão ligada ao frescor que invadia o seu corpo nú devido o tempo relativamente frio que tem feito nas últimas manhãs. Por lá ficou e deixou-se estar, lembrou-se da imagem figurada em seu divã e assim adormeceu por instantes. O sono compartilhado, agora ele sabia que existia e fluia por suas mãos...

Agora consigo vê-lo na janela, ainda rebatado pelo frescor e pela dúvida. Havia entregue-lhe a vida intocada, como poderia lidar com isso? Sentia-se destruidor por pensar que tinha tal poder de conseguir fazê-la dormir e observá-la com tal atitude de contemplação. Sabia que o que tinha entre as mãos era algo forte, energeticamente forte e sentia que havia um propósito ainda por ele desconhecido. Percebia o dom de conseguir mudar de forma, do calor ao frio, como um estado mental que vinha do íntimo do seu ser, mas isso nem sempre o fazia bem quando a sensação de gosto amargo vinham-lhe à boca através de um enjoo discreto a torturar-lhe a pélvis.

Começou a choviscar, e ele lá continuou pensando que aquela seria mais um momento de purificação que os deuses lhe mandavam de algum plano metafísico. Mas estava parcialmente enganado, os pingos grossos caíam e ele ainda com os olhos para cima decidiu adentrar o apartamento e voltar ao seu universo banhado pelo aroma que exalava um fogo-sossego do móvel verde-musgo no canto da sala.

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