Victor Requião

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quinta-feira, 1 de março de 2007

Contos interditos - Parte 8

Sintonia

Acordara cedo contra a vontade de um entorpecer profundo depois da noite passada de melancolia em sua cama ainda feita. Sabia das coisas que sentia e ela procurava encarar com naturalidade a sua timidez que muitas vezes acabava por chamar a atenção sem querer. Poucas pessoas realmente se importavam com ela ao ponto de dar-lhe uma atenção que satisfizesse a vontade de liberar-se um pouco sem certos receios. Costumava ler certos livros não muito fáceis de se achar, lembro de vê-la em algumas tardes escondida por trás das estantes do fundo da livraria onde esses livros poderiam ser abertos e lidos sem que pudesse ser observada. Sabia da existência de certas forças além da propria consciência e era nelas que procurava se fixar quando todo o resto se envolvia num tom opaco e sem vida típico das cidades, que perderam a essência campestre que ela tanto apreciava quando ia em direção às montanhas em suas viagens de solidão. O seu quarto ficava no alto e ela podia observar o jardim que no fundo da sua casa ainda lhe preservava um pouco do espírito que alcançava em certos estados de elevação. Seus cabelos longos eram de incrível beleza, principalmente quando podiam ser vistos sem que ela percebesse, pois sempre evitava se fazer notar àqueles que não tinha um contato sequer.

Aquele dia estava diferente e ela gostaria de poder experimentar algo novo, poder entregar-se a certos sabores que considerava bastante importantes para se lembrar que ainda parecia como as outras pessoas. Foi então em direção à livraria para pegar um livro que encomendara com o livreiro e que falava sobre certas influências lunares que ela gostaria de entender melhor. Na verdade isso é muito mais profundo, prefiro esperar até que possa ver como Vick deixará essas influências se manifestarem nela quando lhe achar conveniente.

Sentira um forte cheiro de chá após dar os primeiros passos opostos aos olhos do livreiro, resolvera parar um pouco e folhear o livro enquanto sentia o vapor da bebida a envolver-lhe os cabelos. Bebia vagarosamente o seu chá de canela com flor de laranja e se distraía com o livro aparentemente antigo, quando percebeu no canto do seu olho a figura de alguém que a observava num certo ar distraído. Parecia que a moça que lhe servira estava pensando alto e resolvera descansar os olhos em direção à sua pessoa sem a maior preocupação. Por um instante as duas se fitaram e sorriram de uma forma meio encabulada, percebi que haviam notado uma na outra aquela essência que ambas já haviam sentido em momentos de solidão. Coisas que confesso, não são muito simples de descrever, ainda mais quando se sabe que essas sensações parecem vir de algum plano espiritual ainda pouco notado entre a maioria das mulheres.

Ao chegar em casa preferiu não subir em direção ao quarto, a sensação de descoberta estava forte demais para que ela se limitasse ao espaço tão pequeno comparando-se com aquele que tinha quando sentava no jardim dos fundos. Ainda era marcante a presença dele no jardim, tanto que sentiu-se incomodada quando chegou mais perto e ainda podia notar o aroma etério de tal pessoa. Foram mágicos aqueles tempos onde pode sentir realmente a força divina que emanava de suas mãos ao alisar-lhe os cabelos e inspirar o ar que ela expirava. Os deuses todos pareciam sempre apreciar tal momento, pois tudo se excluía naqueles instantes, exceto a árvore que atrás parecia os envolver por inteiro de uma forma reservada e secreta.

Lídia saiu mais cedo, aquele dia ela precisava deixar que outras coisas se manifestassem além da sua simples rotina diária. Sentia uma força feminina muito sutil a correr pelo seu corpo, os seus cabelos um pouco acima dos ombros permitiam que sentisse a briza fresca que soprava naquele início fim de tarde e que ela adorava com satisfação. Resolvera caminhar, naquele local tudo era tão perto que ela sentia com um único passo cruzar todo o caminho e toda a vida que fluia por aquele dia que ela só acordara agora. Era como se todo o resto do dia tivesse sido como estórias contadas a ela na cama antes de dormir, sente-se elas todas como realidade, mas só o sono inocente trará o que de fato importa. Aí sentiu que a chama apagada daquelas horas apenas acendia o que ainda realmente tinha para ficar, o que ainda fazia sentido, por mais que esse não fosse tão comum à primeira vista.

Lembrara-se da imagem de Vick, ainda desconhecida, com um livro negro nas mãos. Que sorriso profundo vinha dela! Sentia-se estranha, meio que magnetizada por alguma força que direcionava, sem que percebesse, o seu olhar de encontro à algum ponto de interesse da força. Bastando que para isso simplesmente se deixasse levar a um estado de lerdeza mental, típica quando lavava as mãos e podia sentir aquilo que limpava-lhe a alma. Sabia que existia uma sintonia fina, mas extremamente importante entre as duas na forma como a tal força as sintonizou. Eu podia sentir nos olhos dela a mesma sintonia que a fizera trocar palavras breves, mas de verdadeiro significado, quando servia aquela bebida gelada à Hesse. Já o notara outras vezes, mas somente da última percebera a forma de sacerdote meigo com que olhava para ela e respondia-lhe amorosamente os estímulos. Sabia que ele era uma mistura de diversas nuances de seu ser, desde uma amizade terna à um fogo inabalável que lembrava sentir quando dançava ao redor de uma fogueira nos seus tempos de menina. Esses tempos não eram longes, pois a fogueira ainda acesa sempre conduzia os seus passos a momentos de torpor e maravilhas. O divã verde-musgo nesse momento tornava-se rubro e sentia-se saudada pela figura que atentamente a observara do alto da parede.

Comments
2 comments
Thiago Requião disse...

nao tenho comentado em todos os posts, mas li todos.
achei muito bom.
tem uma boa profundidade psicologica dos personagens e eh rico em detalhes do q sentem os personagens...
mas pq vc tb nao detalha mais as paisagens, os gestos...
"O seu quarto ficava no alto e ela podia observar o jardim que no fundo da sua casa" vc poderia explicar como era o quarto, a beleza do jordim...
mas ae depende do q vc pretende. depende do seu jeito msm...
mas ta muito bom.

Anônimo disse...

"...Aí sentiu que a chama apagada daquelas horas apenas acendiam o que ainda realmente tinha para ficar, o que ainda fazia sentido, por mais que esse não fosse tão comum à primeira vista."----------(suspiro.....refletivo^^)...isso q passa na cabeça d e mts pessoas...dentre elas, eu...course^^...apenas acendia, o q tinha q ficar...eu nao sabia como explicar isso! VC é incrivelmente "xow", trabalhando as palavras...brincando com elas...dando vida a impressoes e sentimentos....
kem nao tem um pouco dessas personagens? kem jah nao passou ou teve ou vivenciou por algumas dessas sensaçoes...e/ou pensamentos? ahhhhhh...continua escrevendo!tah uma elicia de ler!apos o termino..edite!!!!!!!!tah lindo demais pra ..nao ser impresso..nao ter uma capa linda!com o diva no centro de tudo!!!!uma imagem meio diafana...incenso...uauuuu...imaginaçao a mil!!!!
=))))))
beijo no coraçao

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